segunda-feira, 17 de abril de 2023

Taiwan e China: Um Conflito Histórico com Implicações Globais

Contexto histórico do conflito

O conflito entre Taiwan e China tem suas raízes em eventos históricos complexos que remontam ao século XIX. A ilha de Taiwan foi uma colônia chinesa até o final do século XIX, quando foi cedida ao Japão como parte do Tratado de Shimonoseki após a Primeira Guerra Sino-Japonesa em 1895.

Razões do impasse até hoje

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Taiwan foi devolvida à China, mas em 1949, o Partido Comunista Chinês assumiu o poder no continente, enquanto o governo nacionalista liderado por Chiang Kai-shek se refugiou em Taiwan. Desde então, a China considera Taiwan como uma província rebelde e busca sua reunificação sob sua soberania. No entanto, Taiwan se tornou uma democracia autônoma com sua própria constituição, governo e forças armadas, buscando sua independência e reconhecimento internacional.

Quais os possíveis cenários para o futuro

O impasse entre Taiwan e China continua até hoje, com ambos os lados mantendo posições firmes em relação ao status da ilha. Os possíveis cenários futuros são diversos e incertos. Uma possibilidade é a continuação do atual status quo, com Taiwan mantendo sua autonomia, mas sem ser reconhecida como uma nação independente pela China e por alguns países. Outro cenário é uma reunificação pacífica sob termos acordados, o que exigiria negociações complexas entre as partes. No entanto, também há o risco de um conflito militar, caso a China opte por usar a força para reunificar Taiwan, o que teria implicações globais significativas.

O recente exercicio militar de larga escala feito pela China na última semana é uma das mostrar de que o conflito pode acontecer em algum lugar próximo do futuro Dificuldades de uma invasão militar

Primeiramente, a geografia da ilha de Taiwan é um fator crítico. Com uma costa rochosa e montanhosa, a invasão enfrentaria desafios logísticos e operacionais para o desembarque de tropas chinesas em território taiwanês. As defesas costeiras taiwanesas e a capacidade de resposta rápida de sua força de defesa tornariam difícil a conquista de uma praia de desembarque e a progressão terrestre.

Além disso, a força de defesa taiwanesa é bem treinada e equipada, com uma significativa capacidade de combate, incluindo aeronaves de combate modernas, navios de guerra e sistemas de defesa aérea avançados. Isso representaria um desafio significativo para as forças chinesas durante uma invasão, com possíveis perdas e baixas consideráveis.

Outro desafio importante seria a reação internacional. Taiwan é amplamente reconhecida como uma democracia com um governo legítimo, e muitos países têm laços econômicos e políticos com a ilha. Uma invasão chinesa a Taiwan poderia levar a uma forte condenação internacional, com possíveis sanções econômicas e isolamento diplomático por parte da comunidade internacional. Isso poderia ter consequências significativas para a China, incluindo impactos econômicos negativos e um aumento da pressão diplomática.

Como o conflito impacta o Brasil

O conflito entre Taiwan e China tem repercussões internacionais e pode afetar países como o Brasil, especialmente no âmbito econômico. A China é um dos principais parceiros comerciais do Brasil, e qualquer tensão ou conflito na região pode ter impactos no comércio internacional e na estabilidade econômica global. Além disso, a posição do Brasil em relação ao conflito pode afetar suas relações diplomáticas com ambos os lados, considerando a política de "uma China" defendida pelo governo chinês, mas também a manutenção de laços econômicos e culturais com Taiwan. Acompanhar a evolução desse conflito é fundamental para compreender suas implicações no cenário internacional e suas possíveis consequências para o Brasil.


segunda-feira, 16 de março de 2015

Depois do 15 de março: Reflexões e caminhos

Estou perplexo. Havia 30 anos tantos brasileiros não saiam às ruas unificados por uma causa concreta e de forma tão massiva. Entre 1 e 2,2 milhões de brasileiros, de acordo com o cálculo que se considere mais conveniente*, saíram as ruas em todos os 26 estados da federação e no DF pedindo o fim da corrupção e, em sua grande maioria, a saída da presidente e de seu partido da liderança do governo federal. A amplitude das manifestações talvez seja mais importante que sua magnitude em uma ou outra cidade.

Minimizar a proporção das manifestações, chamá-las de golpismo, tentar restringi-las a um grupo específico, se calar frente as demandas populares não são mais opções aceitáveis para a situação. Basta lembrar-se da queda meteórica na aprovação do governo nos últimos 4 meses para comprovar que a tese de que apenas uma minoria está insatisfeita é a mais absoluta ficção de um governo que se nega a admitir seu erros. 

Desde os piores momentos de Fernando Collor, um presidente não tinha tamanha reprovação e o que vem pela frente depois deste dia histórico é incerto e exige reflexão.


Contextualizando: 1964 x 1992 x 2015

Surgiram instantaneamente na mente de quem observou os movimentos de ontem, comparações com 1964 (em geral vindas da esquerda e/ou de apoiadores do governo) e com 1992 (de quem acreditava que o povo na rua bastaria para derrubar o governo).

Considero que comparações com 1964 e os movimentos que anteciparam o golpe são bastante fora de propósito. A começar pelo contexto que o Brasil e o mundo viviam há 50 anos, de polarização ideológica e medo do "fantasma do comunismo", passando pelo fato de João Goulart ter sido eleito como vice de Jânio e nunca ter conquistado legitimidade frente a maioria da população e terminando com o fato que a maior parte dos manifestantes e meios de comunicação, à época, consideravam legítimo o golpe militar e a retirada de Jango do poder. Hoje, além de inconstitucional e criminosa, a incitação a um golpe militar é isolada e flagrantemente minoritária dentro das manifestações.

Já a situação de Dilma, em comparação à de Collor em 1992, guarda semelhanças e diferenças fundamentais que merecem atenção.

Como Collor, a presidente sofre uma grave crise de popularidade e legitimidade já no começo de seu mandato. A presidente tem ainda mais 45 meses frente à presidência e já mal consegue aparecer em público em qualquer lugar do país sem ser vaiada e insultada. Sua reprovação é recorde. Para agravar a situação, a deterioração econômica mal começou e o país terá ao menos 2 anos de aumento do desemprego, inflação acima da meta e crescimento pífio, senão recessão, em grande parte por causa dos erros do primeiro mandato, maquiados até o limite para assegurar uma reeleição. A deterioração da força política do governo, já bastante corroída, tende a se aprofundar conforme avancem as investigações, depoimentos e prisões da Operação Lava Jato. Não há uma única frente onde as perspectivas pareçam caminhar para o lado positivo para o governo. Essa conjuntura, uma verdadeira "tempestade perfeita" sobre o governo reduz sua área de manobra e mina qualquer possibilidade de recuperação de popularidade no curto prazo.

A diferença fundamental porém, é que ainda não há provas que liguem Dilma ao escândalo da Petrobras, o que justificaria a instalação de um processo de impeachment no congresso. Apesar dos desvios na estatal serem exponencialmente maiores e mais graves do que aqueles associados à Collor, no caso do ex-presidente, a sua associação aos crimes era clara. Além disso, Collor pertencia a um partido nanico e não contava com respaldo do congresso. Trazido ao momento presente, o episódio de Collor parece muito improvável de se repetir, já que o impeachment exige votos de 2/3 dos congressistas, e mesmo combalido, o PT deve ser capaz de mobilizar mais da metade dos parlamentares que em teoria controla, para barrarem uma eventual votação, venha ela a existir. Cabe lembrar que o impeachment é um julgamento político e não penal.

Importante notar também que hoje o país possuí uma memória democrática, o que tornaria o impeachment um processo mais doloroso e disruptivo para uma democracia que ainda almeja ser chamada de estabelecida e estável.

A quem serve um impeachment ou renúncia?

Com essas considerações feitas, acho válido e necessário que, quem reprova ferozmente o atual governo, seja por mero ódio irracional à presidente e a seu partido, seja por desilusão e revolta com as contradições entre discurso e prática da presidente ou pelos escândalos cada vez maiores de corrupção, reflita sobre as consequências de um impeachment ou renúncia.

Pela ótica da oposição, é inegável que Dilma está realizando os ajustes de que a economia, enfraquecida por 4 anos de políticas desastradas, precisava. A agenda de Aécio Neves, se eleito, não seria muito diferente. Talvez o tucano tivesse maior legitimidade para fazê-las, mas o fato é que, Dilma ao ver o precipício em que entrava, ao menos mudou de curso. Romper esse processo de correção agora, por mais traumático que ele seja e por mais incoerente para seus eleitores que possa parecer, é um erro.

Na frente da corrupção, estopim da fúria de alguns, o governo não parece estar trabalhando para obstruir investigações e poupar seus aliados. Ao contrário, os processos têm ocorrido com surpreendente grau de transparência.

Em caso de renuncia ou impeachment de Dilma, o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) assumiria o cargo. Em caso da saída de ambos (na comprovação, por exemplo, da hipótese de que sua campanha foi financiada com dinheiro público desviado), Eduardo Cunha (PMDB-RJ) assumiria. 

O que Temer e seu fisiológico e rachado partido, trariam de  novo para a mesa? Partido que está tão envolvido em escândalos quanto o próprio PT e que, apesar de ser o maior partido do Brasil há 2 décadas, não consegue apresentar pautas novas ou candidatos viáveis para eleições nacionais?

Qual seriam os reais benefícios dessa solução para o país, uma vez que a descontinuidade democrática já é um grande malefício por si só?

Dilma é uma presidente fraca. Má economista, má gestora e péssima política. Seu governo é um exemplo claro de incompetência gerencial em quase todas as dimensões e levou o Brasil a retroagir. Não verifico porém, ao longo de seu mandato, justificativas para tamanho ódio e irracionalidade num momento delicado para o país sobre uma presidente que acaba de ser reeleita em eleições limpas e democráticas.

Dito isso, se novas denúncias chegarem à público e ficar incontestavelmente comprovado o envolvimento da presidente com o escândalo da Petrobras, é obrigação do congresso tomar as medidas necessárias e a desestabilização do governo chegaria a um ponto absolutamente insustentável.

Qual então a solução?

O governo precisa responder à sociedade. Tanto à oposição quanto à seus aliados desiludidos. É evidente que a atual situação é insuportável. Mas, ao mesmo tempo em que governar com uma taxa de aprovação de um dígito é inconcebível, o governo sabe que não pode abir mão das medidas que vem tomando para ajustar a economia e que as consequências da Lava Jato já estão fora de seu controle. A resposta que vimos ontem, a renovação de promessas feitas após as manifestações de junho de 2013, feita em um pronunciamento um tanto desastrado de seus ministros, é insuficiente para aplacar a onda anti-governo. Se quando tinha credibilidade, alta taxa de aprovação e a maior base aliada da história o governo não agiu para aprovar reformas e agendas de interesse popular, por que a sociedade deveria acreditar que desta vez as promessas se concretizarão?

O governo precisa resolver o enigma: como se reaproximar dessa oposição intansigente, enquanto não se distância ainda mais dos grupos que historicamente o apoiam? Tirando "o fora Dilma", é pouco claro o que os manifestantes propõe; e mesmo dentro desta pauta de "fora isso, fora aquilo", acredito que não está claro para a população o quanto essa alternativa é pouco viável e certamente traumática.

Uma resposta equivocada do governo, um mero deslize retórico, uma sinalização de desprezo às ruas, podem levar o movimento até aqui pacífico e relativamente ponderado, a uma radicalização com consequências imprevisíveis.

Cabe esperar os próximos capítulos e ter um pouco de paciência.



*Segundo os cálculos das PMs de cada estado, os protestos reuniram aproximadamente de 1,9 a 2,2 milhões de manifestantes em 185 cidades de todos os 26 estados da federação + DF, com cerca de 1 milhão apenas na Avenida Paulista e adjacências em São Paulo. O Datafolha contou 225 mil pessoas na capital paulista e cerca de 1 milhão em todo país.
Pelos números da PM, ou dos manifestantes quando a PM não divulgou seu balanço, as maiores manifestações ocorreram em São Paulo-SP (~1mi), Porto Alegre-RS (~100k), Vitória-ES (~100k), Rio de Janeiro-RJ (~80-100k), Curitiba (~80k) Goiânia-GO (~60k), Brasília (~45k), Campo Grande-MS (~32k) e Belém-PA (~30k).

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Marina Silva Presidente: Para onde vamos?





Há pouco mais de 1 mês das eleições, o cenário eleitoral começa a se consolidar. A tragédia que resultou na morte do então candidato Eduardo Campos e a ascensão de Marina Silva ao seu lugar com principal alternativa à polarização PT x PSDB chacoalharam o panorama eleitoral. 

Se até então a eleição possuía 2 cenários possíveis e igualmente prováveis, um de vitória PTista no primeiro turno e outro de um segundo turno equilibrado entre Dilma e Aécio, ambos com favoritismo da candidata à reeleição, a entrada de Marina tornou-a instantaneamente a nova favorita.

Já na primeira pesquisa pós-tragédia, Marina apareceu empatada com Aécio no primeiro turno e um pouco à frente de Dilma no segundo. Poucas semanas depois, Marina já surgia em primeiro lugar em ambas as etapas e consolidada como franca favorita à vitória. Marina não só pegou todos os votos de Eduardo Campos e muitos dos que iriam para Aécio e Dilma, como também amealhou um apoio maciço de eleitores que provavelmente anulariam seus votos no cenário anterior.

Sua apresentação como candidata de terceira via, da "Nova Política", catalizada pelos sentimentos ainda presentes das manifestações de julho passado e a tragédia de Campos, deram a Marina um impulso eleitoral sem precedentes na história da democracia brasileira. 

É válido lembrar que, em 2010, relativamente desconhecida, sem dinheiro para realizar uma grande campanha e em um clima de continuísmo político, Marina já havia conquistado quase 20% dos votos e que, na última pesquisa em que seu nome foi sondado, em abril desse ano, a então pré-candidata aparecia com 27% das intenções de voto, perto da então líder, Dilma. Não chegou a ser grande surpresa, portanto, seu nome sendo mais citado nas pesquisas que o dos demais candidatos de oposição, mas tamanho favoritismo surpreende e gera novas perguntas. 
Se você gosta ou não de Marina, vai apoiá-la ou não, o fato é que, hoje, as chances são de que teremos que assisti-la diariamente em nossas televisões pelos próximos 4 anos e de que viveremos em um país moldado por suas ideias e planos.

Após 20 anos de alternâncias entre PT e PSDB no Planalto, o que esperar de um eventual governo Marina? O que a candidata realmente defende? Como ela pretende governar sem uma base sólida no Congresso Nacional? Com quem e em que termos Marina buscará alianças?

Vamos à algumas evidências e fatos históricos que podem ajudar à elucidar tais questionamentos (comentários em itálico):

Vida e trajetória política

Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima (Seringal Bagaço, 8 de fevereiro de 1958) nasceu e viveu até os 16 anos entre os estados do Amazonas, Pará e um seringal no Acre. Depois de sobreviver a cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose, mudou-se para Rio Branco, onde passou a trabalhar como empregada doméstica e se alfabetizou pelo Mobral. 

Mais tarde, se formou em História na Universidade Federal do Acre e, na política, integrou o Partido Revolucionário Comunista - facção dentro do PT, então liderada por José Genoíno - ao lado do sindicalista Chico Mendes, de quem também seria vice na CUT-AC. Em 1988, foi eleita vereadora em Rio Branco. Também foi deputada estadual pelo Acre e, em 1995, tornou-se a mais jovem senadora eleita no história do país, aos 36 anos, tendo renovado o mandato ficando no cargo até 2011. 

Foi ministra do Meio Ambiente nos dois mandatos de Lula e teve seu mandato celebrado por ambientalistas e organismos internacionais. À partir da reeleição do Presidente em 2006, começou a divergir do governo e entregou o cargo em 2008. 

Em agosto de 2009, Marina trocou o PT pelo PV, para se lançar candidata à Presidência da República no ano seguinte. Após desempenho surpreendente no primeiro turno, passou a articular a fundação de um novo partido, a Rede Sustentabilidade. 

A Rede não foi criada à tempo de disputar as eleições deste ano, o que forçou-a a buscar uma aliança alternativa para se lançar candidata, com o PSB, em uma chapa à princípio liderada por Eduardo Campos. A Rede, no entanto, deve mesmo ser o destino de Marina uma vez estabelecida, o que deve acontecer já em 2015.


Programa de Governo

O time de Marina publicou semana passada um extenso programa de governo que fornece inúmeras pistas de como a candidata pretende conduzir a nação. Ressalto aqui alguns dos aspectos e propostas mais expressivos.


  • Política
Marina defende o fim da reeleição, mandatos de 5 anos, unificação dos ciclos eleitorais (apenas 1 eleição para todos os cargos, realizada a cada 5 anos), convocação mais frequente de plebiscitos e facilitação de leis submetidas por iniciativa popular. Outros pontos citados são, o fim do coeficiente eleitoral para eleições legislativas, redistribuição dos tempos de propaganda gratuita na TV

Enfim, uma defesa de uma democracia mais direta, o que vai de encontro à crise da democracia representativa brasileira.

Algumas destas propostas são bastante polêmicas e devem enfrentar forte resistência dentro do Congresso e uma reforma tão extensa e profunda é improvável.

  • Administração Pública
Marina defende profissionalizar as carreiras públicas e instaurar promoções baseadas no desempenho e na produtividade de cada funcionário, criando planos de carreira mais claros e meritocráticos. As empresas estatais teriam gestões menos políticas e mais independentes, perdendo sua função de instrumento de política macroeconômica. Cargos de confiança seriam ocupados, preferencialmente, por funcionários concursados.

Propostas similares as de Aécio Neves e defendidas por parte do mercado

  • Economia
Marina defende a volta do Tripé Macroeconômico: Controle de inflação sem controle de preços, com convergência para o centro da meta, superávit primário como auxiliar ao combate da inflação e câmbio livre e flutuante, com pouca interferência do Banco Central.

Também no combate à inflação, os preços administrados (gasolina, energia, etc.) seriam corrigidos por meio de regras claras e o nível de indexação da economia seria reduzido.

O programa cita tornar o Banco Central institucionalmente independente, com mandato fixo para o presidente e regras para a nomeação dos membros da diretoria.

Também está prevista a criação de um conselho independente de responsabilidade fiscal para verificar o cumprimento de metas e avaliar a qualidade do gasto público.

Por fim, para estimular o crescimento, o programa cita estabelecer regras claras e justas para os negócios, redução do número de desonerações para setores específicos, simplificação da estrutura tributária sem elevação de impostos, elevação dos gastos públicos em infraestrutura, aumento dos repasses para estados e municípios, aumento do número de parcerias público-privadas, incentivo a investimentos em ciência e tecnologia, redução do papel do BNDES e aumento da participação de bancos privados nos financiamentos aos setores agro e de habitação, com eliminação do IOF para operações de empréstimo.


Em suma e em grande medida, uma volta às políticas criadas durante o governo FHC e adotadas com sucesso até 2008/2009, com algumas inovações interessantes. As medidas são amplamente defendidas por economistas e pelo mercado.

  • Emprego e Trabalho
O programa cita a necessidade de se atualizar a CLT, uma vez que a relação entre empregado e empregador não mais de restringe ao modelo atual que prevê prazo indeterminado de contrato e jornada integral

A revisão da CLT criada por Vargas nos anos 40 é praticamente um consenso de mercado. A flexibilização de certos direitos é polêmica.

  • Política Externa
Além de manter a tradição do Itamaraty, de neutralidade e defesa da paz, dos direitos humanos, etc., o norte da política externa voltaria a ser a formulação de acordos comerciais, com ênfase nos principais blocos comerciais do mundo (UE, NAFTA, APEC, etc.). Também é citada uma maior integração produtiva e comercial com a América do Sul.

Mais pragmatismo e menos política.

  • Política Energética
Aumento de investimentos em tecnologias limpas e que possam diversificar e aprimorar a matriz energética renovável brasileira. Especial foco na Energia Solar para uso residencial (casas populares autossuficientes).

  • Políticas Sociais
Baixar o coeficiente de GINI  (medidor de desigualdade econômica) em 5,5% até 2018. Priorizar o assentamento de 85 mil famílias que estão à espera da reforma agrária, em terras atualmente improdutivas. Ampliar o Bolsa Família, tornando-o uma política de estado, com maior integração a outros serviços públicos. Uso de parcerias com a iniciativa privada para estruturar e executar programas sociais integrados,

  • Educação
Implementar ensino em tempo integral nas escolas públicas em toda a educação básica. Destinar 10% do PIB à educação, universalizar a educação básica à partir dos 4-5 anos de idade. Internet banda larga em 100% das escolas até 2018 e ampliação do acesso ao Ensino Superior público.

  • Saúde e saneamento
Implementar até 2018, a proposta de inciativa popular de vincular 10% da receita corrente bruta da União ao financiamento de ações de saúde pública. Parcerias público-privadas para ampliar a cobertura de aneamento básico. Implementar a coleta seletiva em 100% dos municípios brasileiros e reciclar 10% de todo o lixo domiciliar.

  • Segurança Pública
Adotar um Plano Nacional de Redução de Homicídios, com definição de metas. Construção de um pacto federativo na área de segurança pública. Multiplicar por 10 o investimento do governo federal na área, elevando o efetivo da Polícia Federal em 50% e atribuir à instituição a responsabilidade, compartilhada com o exército, do patrulhamento das fronteiras.

  • Meio Ambiente
Defesa das demarcações das terras indígenas e proteção da cultura dos povos originários. Zerar a perda de cobertura florestal do país. Ampliar em 40% a área de florestas plantadas. Criar órgãos de gestão de mudanças climáticas. Incentivar e promover agricultura de baixo carbono e recompensar financeiramente serviços de preservação ambiental. Defesa dos biocombustíveis.

Time de Ministros


Marina citou inúmeras vezes que pretende montar um time com pessoas capacitadas e de sua confiança, independente de seus partidos e que não pretende negociar cargos ministeriais em troca de apoio político. Uma lista de um dirigente do PSB com nomes que estariam sendo cogitados, dá conta de um time diversificado e com muitos nomes conhecidos:

Walter Feldman (Rede-SP) - Casa Civil
Beto Albuquerque (PSB-RS) - Transportes
Cristovam Buarque (PDT-DF) - Educação
José Serra (PSDB-SP) - Saúde
Eduardo Suplicy (PT-SP) - Direitos Humanos
Sérgio Xavier (PV-PE) - Meio Ambiente
João Paulo Capobianco (Rede) - Cidades
Eduardo Giannetti - Fazenda
Miro Teixeira (Pros-RJ) - Comunicação
Neca Setubal (Rede) - Cultura
Luiza Erundina (PSB-SP) - Desenvolvimento Social
Roberto Freire (PPS) - Justiça
Pedro Simon (PMDB-RS) - Relações Exteriores


A iniciativa de Marina, de nomear ministros de diversos partidos, de sua confiança e de notória competência deve ser louvada. No entanto, a prática de trocar pastas e cargos por apoios políticos se tornou tão arraigada que a presidente terá extrema dificuldade de nomear quem bem entender para todas as pastas.

Por que não Marina?
Pessoas que se opõe à eleição da ex-senadora, citam uma série de motivos:

Exemplos Históricos de políticos que surgiram a partir de uma ascensão meteórica, como uma opção carismática de renovação política, com discurso impactante e pequena base de sustentação política e tiveram mandatos instáveis e abreviados como Jânio Quadros e Fernando Collor. O governador do Ceará e aliado de Dilma, Cid Gomes, chegou a dizer que Marina não dura 2 anos no cargo e que ela será deposta no Congresso, por não possuir uma coalização ampla e não ser aberta a concessões políticas.

Vinda de um partido médio/pequeno e migrando para um ainda menor (Rede), Marina precisará de apoios de ao menos 2 dos 3 maiores partidos brasileiros para assegurar sua governabilidade. O mais provável será que ela seja obrigada a negociar com o já poderosíssimo PMDB e com PSDB ou PT para obter os votos que necessita para aprovar as reformas que pretende realizar. Acredita-se que o PMDB poderia ter um poder ainda maior do que já possui com Dilma em um eventual governo marinista.

Pessoas críticas ao governo atual afirmam que Marina possui uma identificação histórica e inegável com o PT, partido em que foi filiada por mais de 20 anos e pelo qual exerceu todos seus cargos públicos. Marina foi companheira de condenados no Mensalão como José Genoíno e é questionável o quanto um governo seu teria um distanciamento ideológico do atual.

Grupos de esquerda acusam Marina de ter um plano de governo excessivamente liberal e defensor dos interesses de bancos e grandes corporações. Esses grupos também acusam o eleitorado conservador e a grande mídia de terem aderido à candidatura de Marina como uma forma de derrotar o PT a qualquer custo e que o apoio desses grupos imporá um alto custo político a Marina.

Marina, evangélica, também é tachada frequentemente de conservadora em questões sociais, e é contra o aborto e pesquisas com células embrionárias, por exemplo.

Marina prega uma Nova Política e uma democracia participativa, mas durante seus 25 anos de carreira política sempre esteve ligada (e assim permanece) à grupos políticos tradicionais e também dependerá deles para governar. Além disso, a ex-ministra se mostrou extremamente pragmática quando, ao melhor estilo "velha política", fez 2 trocas de partido em 5 anos para viabilizar suas candidaturas e hoje se utiliza de um partido hospedeiro, e com o qual não se identifica, para se eleger.


Considerações Finais

A ascensão de Marina e de suas propostas de fazer uma gestão diferente, inovadora e sustentável recolocaram um pouco de ânimo e esperança em milhões de brasileiros frustrados com a política atual. Uma boa gestão de Marina pode de fato iniciar um novo capítulo na democracia brasileira e provocar um rearranjo e uma renovação nas forças políticas, que tem tudo para ser saudável.

Seus esforços para não negociar posições que considera essenciais, rejeitar alianças que considera retrógradas e de montar um time heterogêneo, competente e experiente para governar são louváveis.

As preocupações com as posições conservadoras e crenças pessoais de Marina, com a eventual influência de grupos religiosos em seu governo e, principalmente, com sua governabilidade são absolutamente legítimas. 

A inexperiência de Marina em cargos de gestão também é um ponto de atenção, mas que pode ser mitigado por meio da escolha de excelentes assessores e ministros, o que a candidata parece reconhecer. Sua liderança, assim, passaria a ser mais representativa e simbólica, deixando para cada ministro a função de conduzir estrategicamente sua pasta.

E você, o que acha? Marina poderá governar melhor o país do PSDB e o PT o fizeram nos últimos 20 anos? Qual deve ser o seu legado se eleita?


Fontes

Datafolha:
Abril/2014: http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/04/1436976-dilma-perde-pontos-mas-ainda-tem-vantagem-na-disputa-presidencial.shtml
Agosto/2014: http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/09/1509005-empatada-no-1-turno-com-dilma-marina-abre-vantagem-no-2-turno.shtml

TSE
Eleições 2010: http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/apuracao-1-turno/index.html

Site PSB
Programa de Governo: http://marinasilva.org.br/programa/

Folha
Cid Gomes: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/09/1509575-marina-e-reacionaria-e-sera-deposta-em-dois-anos-diz-cid-gomes.shtml
Ministros: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2014/09/1509736-serra-e-suplicy-podem-ser-ministros-de-marina-apostam-aliados-da-candidata.shtml


Onde está a direita brasileira?

O Datafolha realizou pesquisa, em Novembro, com mais de 4500 pessoas, questionando-as acerca de suas opiniões sobre questões sociais e econômicas. Em seguida o instituto classificou os entrevistados dentro do espectro esquerda-direita, de acordo com as definições de senso comum para cada corrente política. Com apenas 10 perguntas simples já possível pode obter uma classificação razoavelmente precisa de sua posição política: http://www.theadvocates.org/quiz/quiz.php#.

Apesar das excessivas generalizações, o estudo traz insights valiosos para análise e uma grande dúvida. Se quase 40% do eleitorado tem tendências de direita, aonde estão os partidos e candidatos que os represente? Porque a direita, em especial a associado ao liberalismo econômico e ao estado mínimo praticamente sumiu do debate político nacional?

Além disso, algumas das questões perguntadas também revelam fatos importantes da sociedade brasileira e mostra que somos mais conservadores do que acreditávamos.



Se a pesquisa pergunta-se diretamente se o eleitor se considera de esquerda, de centro ou de direita, certamente muito poucos eleitores se declarariam direitistas. O mesmo ocorre com os partidos.

Dos 32 existentes no Brasil, nenhum se declara abertamente "de direita". É um caso único no mundo entre as grandes democracias. A partir do histórico de seus candidatos (boa parte da antiga ARENA e suas diversas divisões) e de suas cartas-programas, PP, PR e DEM são passíveis de serem classificados como partidos de tendências econômicas mais liberais que defendem um estado menor. PP e PR foram por muito tempo da base aliada do governo petista, enquanto o DEM está entrando em extinção. Além deles os nanicos PSC e PRB, ligados a grupos evangélicos são abertamente conservadores sociais (ou em relação a questões de comportamento), mas o mesmo não pode ser dito de suas posições econômicas.

A pergunta imediata que me surgiu foi: estariam os 40% de eleitores brasileiros conservadores mal representados politicamente? Acredito que sim, mas é possível afirmar que hoje essa crise de representação aflige quase a totalidade dos eleitores, o que indicaria uma crise em todo sistema e não apenas na inexistência de uma direita forte.

A segunda pergunta que me surgiu, e essa mais perturbadora, foi: porque tanto eleitores quanto partidos preferem esconder o fato de estariam alinhados com tendências conservadoras, ainda que em questões individuais deixem isso transparecer? Meu maior interesse recai sobre as questões econômicas, que considero a mais relevantes e aonde existem menos partidos/candidatos dispostos a sustentarem posições direitistas.

Ao observar o posicionamento público dos diversos partidos e como eles se colocam no horário político, fica clara essa fobia de "parecer de direita". Os partidos de centro e de esquerda, especialmente o PT e seus aliados tradicionais, conseguiu com enorme sucesso associar o "ser de direita" ao período da ditadura militar, o autoritarismo ou um conservadorismo exacerbado. Em casos mais extremos, associa-se a direita até com o nazifascismo no Brasil, um absurdo (seria o equivalente a associar sistematicamente a esquerda ao Stalinismo ou Maoismo). A direita liberal moderna é completamente oposta a direita fascismo.

Aliam-se a isso, ao meu ver, nosso fraco sistema educacional, a tendência de professores de história/geografia tenderem ideologicamente à esquerda e a crença generalizada do governo como "salvador da pátria".

Por exemplo, por realizar, durante o governo de FHC algumas ações ligadas a doutrina neoliberal, o PSDB foi taxado e ainda é popularmente classificado como um partido de direita (ou centro-direita), em geral de maneira pejorativa. Um erro não apenas teórico, mas histórico. No senso comum brasileiro, "ser direita" é ser conservador, preconceituoso, "não gostar de pobre", uma visão bastante deturpada. Alia-se a isso, de maneira poderosa, a crença arraigada no Brasil de que o governo deve ser o grande provedor do bem estar social e dos investimentos na economia. Apesar das críticas comuns ao desperdícios do governo a aos impostos altos, o que sempre se vê são reivindicações que buscam a ampliação da cobertura  do estado e seus benefícios (o que se viu nos protestos de junho, por exemplo).
Piada que, infelizmente, guarda algum fundo de verdade

No ideário popular, portanto, ser de direita é feio. É quase como ser mau, individualista, reacionário. A possibilidade de desenvolvimento social e igualdade é simplesmente inconcebível em um governo de direita. Essa percepção e seus impactos prejudicam severamente o debate político e empobrecem a democracia.

Outro fator que explica a inexistência de partidos de direita no Brasil é a falta de discernimento que há quanto à importância da criação de um partido com valores sólidos, enquanto o oportunismo e o fisiologismo são armas para a conquista do poder. Ser ideológico simplesmente não compensa. Defender uma ideologia contrária à da maioria, compensa menos ainda.

Com todos obrigados a se voltar para o centro, a abrir mão de qualquer crença ideológica à direita, a única saída torna-se o fisiologismo e as alianças tácitas. O poder pelo poder, sem uma confrontação de posições, mas uma acomodação que coloque cada partido em uma boa posição para acessar o poder. Por isso temos mais de 30 partidos para escolher e quase nenhum representa nada. Nosso espectro político varia entre um centro fisiológico e "sincrético" onde se encontram quase todos os partidos e uma extrema esquerda que não representa mais quase nada e quase ninguém.


Não clamo aqui pelo surgimento de partidos conservadores no Brasil e provavelmente esses novos partidos de direita não teriam meu voto. Não creio que há muito que valha a pena ser conservado no Brasil, apesar de desejar um governo um pouco menos presente, gastão e ineficiente.

Compreendo, porém, que o papel da direita seria fundamental para o desenvolvimento do debate democrático no Brasil. Não pode haver esquerda forte sem uma direita forte e, de certo modo, um pólo é necessário para manter a relevância do outro. Não haverá democracia representativa de fato enquanto uma parte tão grande da população estiver tão mal representada politicamente e enquanto as lideranças políticas não se posicionarem sem o temor de romperem paradigmas, alianças interesseiras e programas partidários vazios.


Nota:

O Pastor Everaldo, candidato à presidência pelo PSC tem se apresentado como um candidato tipicamente de direita, numa grande aproximação a linha ideológica do Partido Republicano dos EUA, também de forte base evangélica: conservadorismo moral e social aliado a forte liberalismo econômico. Infelizmente o Pastor não pode ser um candidato a ser levado à sério...

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Republicanos X Democratas - A história do impasse político americano



A mais antiga democracia contínua do mundo está em apuros. A polarização entre os dois partidos dominantes da política dos EUA há mais de 1 século nunca foi tão grande e tão prejudicial ao ambiente social, político e econômico da maior economia do mundo. O que se viu nos últimos 2 anos, com as idas e vindas da aprovação do aumento do teto da dívida americana, a longa batalha pela aprovação do novo sistema de saúde e a paralisação parcial do governo por várias semanas, tende apenas a se aprofundar, colocando em xeque o futuro da estabilidade democrática no país.


Hoje, se diz que o congressista democrata mais à direita está à esquerda do congressista republicano mais à esquerda e vice-versa. Isso, a despeito do maior grupo de eleitores do país (cerca de 35%-40%) ser o que se declara "independente" ou não alinhado a nenhum dos 2 partido, além do debate e polarização entre esquerda e direita estarem em baixa onde quer que se olhe ao redor do mundo.

Claro que, ao se tratar dos EUA, há de se relativizar o sentido que "esquerda" e "direita"  e todas as infinitas variantes ideológicas dentro de cada vertente (que podem ser tema para pelo menos mais outro post). As definições baseadas no senso comum do que boa parte dos americanos considera "de esquerda" ou "de direita" pode ser vista nesse quadro (para melhor visualização clicar no linn abaixo):



Como pode ser visto acima e nas principais pesquisas de opinião recentes, a divisão não ocorre apenas dentro do Congresso americano, mas em basicamente qualquer questão social de relevância. Em nenhum tópico importante há algo próximo do consenso. Desde temas como aborto, drogas e sistema de saúde até segurança, guerras e impostos, não há só um tópico que tenha menos de 40% de pessoas pró ou contra aquele tópico entre os eleitores.

Tal divisão se reflete no discurso dos candidatos e principais apoiadores de um lado e o do outro. Pode se afirmar que a iniciativa do fundamentalismo partiu dos Republicanos quando surgiu em seu seio o grupo ultra conservador Tea Party, com seu feroz discurso de crítica a toda e qualquer política que aumentasse os gastos do governo ou tornasse a sociedade mais liberal. Mas é fácil constatar que o lado democrata também não contribuiu em nada para a estabilidade do sistema, radicalizando também seus pontos de vista e evitando negociá-los. Com a Câmara de Representantes (similar á Câmara dos Deputados no Brasil) na mão dos Republicanos e o Senado e a Presidência na mão dos Democratas, aprovar toda e qualquer lei, mesmo por maioria simples, se tornou uma batalha, que não só ameaçou paralisar, como de fato já paralisou, o país em mais de uma vez recentemente.

Até na mídia esta divisão está muito bem caracterizada pela existência de jornais, programas de rádio e até canais de TV com claro viés republicano ou democrata. O canal de notícias FOX News se tornou feroz crítico de Obama, ao ponto de suas coberturas jornalísticas chegarem ao ridículo. Do lado liberal a MSNBC faz o contraponto da FOX News. Assistir a esses canais chega quase a ser uma experiência cômica, mas ambos tem audiências gigantescas, enquanto a CNN, que tentou se manter neutra vem despencando no "IBOPE" local.

Na mídia impressa, quase todos os grandes jornais se posicionaram de um lado ou de outro, apoiando abertamente candidatos. Hoje, é possível você ler, ouvir e assistir apenas ao lado pelo qual se interessa. Se você é conservador pode apenas se informar pelos meios de comunicação conservadores. Até aí, nenhum problema, todos devem ter a liberdade de publicar o que quiserem e cada um pode ou não acessar as fontes de informação que quiser. O que ocorre é que essa divisão clara apenas aprofunda os pontos de vista de quem já é crítico ou apoiador de um partido ou outro e relega o centrismo, o debate e o contraponto à segundo plano.

De quem foi a culpa da paralisação do governo americano em 2013? Provavelmente dos dois.

Mas nem sempre foi assim, até o começo do século passado o partido democrata era mais conservador e dominava o eleitorado no sul do país. Basta lembrar que Lincoln, considerado então um grande progressista, odiado pelos sulistas conservadores e responsável pela abolição da escravidão, era Republicano. Em especial a partir da crise de 1929 e do governo do democrata Franklin Roosevelt, o partido democrata deu uma forte guinada à centro-esquerda, tornando-se o partido progressista e de viés social-democrata nos EUA, enquanto os republicanos prontamente ocuparam o campo contrário. Desde então até o início deste século houve certa estabilidade e coesão interna dentro dos partidos, com claras diferenças ideológicas, mas em clima de debate e moderação. Desse modo o país conseguiu sair da crise e, após a segunda grande guerra, se consolidar como a potência hegemônica no bloco capitalista. Com o fim da União Soviética, da Guerra Fria e da "ameaça socialista", novos inimigos tiveram que ser encontrados e o foco da política se voltou para questões internas. Com a ascensão das novas potencias emergentes e a relativa melhora nas economias europeias (até 2008), o peso dos EUA na economia e nas decisões globais de diluiu e polarizou o discurso entre o grupo que achava que esse declínio relativo estava relacionado a derrocada dos valores econômicos liberais e sociais conservadores que tornaram os EUA hegemônico nas décadas anteriores e aquele que via a solução para tal declínio por meio da construção de uma sociedade mais igualitária e progressista, com a ampliação do guarda-chuva social e uma presença mais forte do governo na economia. O problema é que os dois grupos de distanciaram de tal modo que sobrou pouco entre eles para o debate.


Burro, símbolo do partido Democrata e Elefante, símbolo do Partido Republicano: partidos buscam novas identidades
         
Exemplo claro disso ocorreu durante a última eleição presidencial, no ano passado. Durante as primárias republicanas, o candidato escolhido para enfrentar Obama, Mitt Romney, chegou a ser acusado pejorativamente de "moderado" pelos seus oponentes dentro do partido, o que revela o descalabro da ideologia dominante entre os republicanos. Um republicano não consegue atrair votos dentro de seu partido se não provar ser um "true conservative". Apoiar a legalização da maconha? Nem pensar! Ser a favor do (já vigente há décadas) direito ao aborto? Derrota na certa. Falar em aumento de gastos para gerar emprego? Só pode estar louco. Infelizmente para Mitt Romney, mas felizmente para os EUA e para o mundo, as mesmas posturas que atraem o voto dos ultraconservadores afugentam os eleitores independentes (os que decidem todas as eleições majoritárias nos EUA) e os republicanos perderam outra vez. Romney tentou equilibrar-se entre a linha de conservador moderado e ultraconservador, mudando seu discurso ao longo do tempo e dependo da ocasião em que se encontrava. Quando conseguia convencer seu partido de que era a pessoa certa, perdia eleitores no centro, quando queria agradar o centro, perdia sua base de apoio.

Haviam pontos positivos no programa de Romney? Sem dúvidas. Mas os pontos positivos eram ofuscados por debates pontuais, muitas vezes caindo para o lado moral e religioso. Ficou fácil para Obama, que nem primárias teve que enfrentar, levar a eleição.


O que será então que irá acontecer com a política americana daqui para frente? O partido democrata tende a continuar vencendo as eleições, reconquistando o controle total do Congresso e mantendo a presidência? O partido republicano se tornará cada vez mais um partido provinciano, condenado ao sucesso nos rincões longínquos e zonas rurais onde ainda reina absoluto?

Sem dúvidas as perspectivas demográficas, econômicas e sociais são bastantes negativas para os republicanos tradicionais. Além de enfrentar a realidade de uma composição partidária muito mais diversa dentro de seus quadros internos (do Tea Party aos libertários) do que a democrata, os grupos que tradicionalmente votam no partido estão perdendo sua relevância dentro da composição geral do eleitorado. São os WASP (brancos, anglo-saxões e protestantes) que moram majoritariamente nas pequenas cidades ou no campo, no Sul e Centro-Oeste do país. Ainda há maior concentração de eleitores republicanos entre os homens, as faixas mais ricas e as faixas etárias mais avançadas.

Com o crescimento das populações urbana, negra, latina e jovem, o partido democrata tende a, se nada mudar, ganhar eleitores naturalmente e gerar um cenário onde uma vitória republicana em condições normais se torne quase impossível.

Composição do eleitorado republicano por categoria
Evidente que o republicanos já perceberam essa tendência há tempos, mas simplesmente ainda não conseguiram encontrar uma solução para reposicionar sua imagem. Uma coisa é certa: é impossível agradar os ultra-conservadores (cerca de 30% do partido) e não perder apoio de parte significativa dos eleitores independentes, como já foi provado nas últimas eleições. Há quem diga que, a cruzada para atrair o voto negro, jovem ou feminino é tão complexa e exigiria tanto esforço que a única solução viável de curto/médio prazo para que um candidato republicano tenha qualquer chance em 2016 é aprofundar ainda mais a liderança que o partido já possui nos segmentos onde é forte e incentivar um turnout (presença nas urnas) recorde dessas pessoas. Nada fácil também.

Por isso acredito que a solução, ainda que custe ao partido diversos revezes para notar, seja uma profunda mudança interna e uma forte guinada para o centro em questões morais/sociais, voltando o debate para a economia e a estratégia do país para os desafios futuros.

O problema da extrema-direita do Tea Party é que ela acredita que todas as soluções para os problemas atuais estão todas no passado, na glamourizada época dos "founding fathers" ou na Era de Ouro dos EUA. Já para a extrema-esquerda, a solução e o mundo ideal estariam em um futuro atemporal e inatingível. Mas os desafios de hoje não são os do passado e nem os do futuro.

Faltou aos políticos americanos perceber que o mundo a sua volta mudou e os EUA não reinam mais hegemônicos como a única grande potência e que aquela época dourada passou para nunca mais voltar. Em qualquer um dos casos, o que falta é olhar para o presente e seus gigantescos desafios. Isso ou a maior democracia do mundo continuará tropeçando e ficando de joelhos na mãos de extremistas. E quem perde é todo o mundo.