Há pouco mais de 1 mês das eleições, o cenário eleitoral começa a se consolidar. A tragédia que resultou na morte do então candidato Eduardo Campos e a ascensão de Marina Silva ao seu lugar com principal alternativa à polarização PT x PSDB chacoalharam o panorama eleitoral.
Se até então a eleição possuía 2 cenários possíveis e igualmente prováveis, um de vitória PTista no primeiro turno e outro de um segundo turno equilibrado entre Dilma e Aécio, ambos com favoritismo da candidata à reeleição, a entrada de Marina tornou-a instantaneamente a nova favorita.
Já na primeira pesquisa pós-tragédia, Marina apareceu empatada com Aécio no primeiro turno e um pouco à frente de Dilma no segundo. Poucas semanas depois, Marina já surgia em primeiro lugar em ambas as etapas e consolidada como franca favorita à vitória. Marina não só pegou todos os votos de Eduardo Campos e muitos dos que iriam para Aécio e Dilma, como também amealhou um apoio maciço de eleitores que provavelmente anulariam seus votos no cenário anterior.
Sua apresentação como candidata de terceira via, da "Nova Política", catalizada pelos sentimentos ainda presentes das manifestações de julho passado e a tragédia de Campos, deram a Marina um impulso eleitoral sem precedentes na história da democracia brasileira.
É válido lembrar que, em 2010, relativamente desconhecida, sem dinheiro para realizar uma grande campanha e em um clima de continuísmo político, Marina já havia conquistado quase 20% dos votos e que, na última pesquisa em que seu nome foi sondado, em abril desse ano, a então pré-candidata aparecia com 27% das intenções de voto, perto da então líder, Dilma. Não chegou a ser grande surpresa, portanto, seu nome sendo mais citado nas pesquisas que o dos demais candidatos de oposição, mas tamanho favoritismo surpreende e gera novas perguntas.
Se você gosta ou não de Marina, vai apoiá-la ou não, o fato é que, hoje, as chances são de que teremos que assisti-la diariamente em nossas televisões pelos próximos 4 anos e de que viveremos em um país moldado por suas ideias e planos.
Após 20 anos de alternâncias entre PT e PSDB no Planalto, o que esperar de um eventual governo Marina? O que a candidata realmente defende? Como ela pretende governar sem uma base sólida no Congresso Nacional? Com quem e em que termos Marina buscará alianças?
Vamos à algumas evidências e fatos históricos que podem ajudar à elucidar tais questionamentos (comentários em itálico):
Vida e trajetória política
Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima (Seringal Bagaço, 8 de fevereiro de 1958) nasceu e viveu até os 16 anos entre os estados do Amazonas, Pará e um seringal no Acre. Depois de sobreviver a cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose, mudou-se para Rio Branco, onde passou a trabalhar como empregada doméstica e se alfabetizou pelo Mobral.
Mais tarde, se formou em História na Universidade Federal do Acre e, na política, integrou o Partido Revolucionário Comunista - facção dentro do PT, então liderada por José Genoíno - ao lado do sindicalista Chico Mendes, de quem também seria vice na CUT-AC. Em 1988, foi eleita vereadora em Rio Branco. Também foi deputada estadual pelo Acre e, em 1995, tornou-se a mais jovem senadora eleita no história do país, aos 36 anos, tendo renovado o mandato ficando no cargo até 2011.
Foi ministra do Meio Ambiente nos dois mandatos de Lula e teve seu mandato celebrado por ambientalistas e organismos internacionais. À partir da reeleição do Presidente em 2006, começou a divergir do governo e entregou o cargo em 2008.
Em agosto de 2009, Marina trocou o PT pelo PV, para se lançar candidata à Presidência da República no ano seguinte. Após desempenho surpreendente no primeiro turno, passou a articular a fundação de um novo partido, a Rede Sustentabilidade.
A Rede não foi criada à tempo de disputar as eleições deste ano, o que forçou-a a buscar uma aliança alternativa para se lançar candidata, com o PSB, em uma chapa à princípio liderada por Eduardo Campos. A Rede, no entanto, deve mesmo ser o destino de Marina uma vez estabelecida, o que deve acontecer já em 2015.
Programa de Governo
O time de Marina publicou semana passada um extenso programa de governo que fornece inúmeras pistas de como a candidata pretende conduzir a nação. Ressalto aqui alguns dos aspectos e propostas mais expressivos.
Marina defende o fim da reeleição, mandatos de 5 anos, unificação dos ciclos eleitorais (apenas 1 eleição para todos os cargos, realizada a cada 5 anos), convocação mais frequente de plebiscitos e facilitação de leis submetidas por iniciativa popular. Outros pontos citados são, o fim do coeficiente eleitoral para eleições legislativas, redistribuição dos tempos de propaganda gratuita na TV
Enfim, uma defesa de uma democracia mais direta, o que vai de encontro à crise da democracia representativa brasileira.
Algumas destas propostas são bastante polêmicas e devem enfrentar forte resistência dentro do Congresso e uma reforma tão extensa e profunda é improvável.
Marina defende profissionalizar as carreiras públicas e instaurar promoções baseadas no desempenho e na produtividade de cada funcionário, criando planos de carreira mais claros e meritocráticos. As empresas estatais teriam gestões menos políticas e mais independentes, perdendo sua função de instrumento de política macroeconômica. Cargos de confiança seriam ocupados, preferencialmente, por funcionários concursados.
Propostas similares as de Aécio Neves e defendidas por parte do mercado
Marina defende a volta do Tripé Macroeconômico: Controle de inflação sem controle de preços, com convergência para o centro da meta, superávit primário como auxiliar ao combate da inflação e câmbio livre e flutuante, com pouca interferência do Banco Central.
Também no combate à inflação, os preços administrados (gasolina, energia, etc.) seriam corrigidos por meio de regras claras e o nível de indexação da economia seria reduzido.
O programa cita tornar o Banco Central institucionalmente independente, com mandato fixo para o presidente e regras para a nomeação dos membros da diretoria.
Também está prevista a criação de um conselho independente de responsabilidade fiscal para verificar o cumprimento de metas e avaliar a qualidade do gasto público.
Por fim, para estimular o crescimento, o programa cita estabelecer regras claras e justas para os negócios, redução do número de desonerações para setores específicos, simplificação da estrutura tributária sem elevação de impostos, elevação dos gastos públicos em infraestrutura, aumento dos repasses para estados e municípios, aumento do número de parcerias público-privadas, incentivo a investimentos em ciência e tecnologia, redução do papel do BNDES e aumento da participação de bancos privados nos financiamentos aos setores agro e de habitação, com eliminação do IOF para operações de empréstimo.
Em suma e em grande medida, uma volta às políticas criadas durante o governo FHC e adotadas com sucesso até 2008/2009, com algumas inovações interessantes. As medidas são amplamente defendidas por economistas e pelo mercado.
O programa cita a necessidade de se atualizar a CLT, uma vez que a relação entre empregado e empregador não mais de restringe ao modelo atual que prevê prazo indeterminado de contrato e jornada integral
A revisão da CLT criada por Vargas nos anos 40 é praticamente um consenso de mercado. A flexibilização de certos direitos é polêmica.
Além de manter a tradição do Itamaraty, de neutralidade e defesa da paz, dos direitos humanos, etc., o norte da política externa voltaria a ser a formulação de acordos comerciais, com ênfase nos principais blocos comerciais do mundo (UE, NAFTA, APEC, etc.). Também é citada uma maior integração produtiva e comercial com a América do Sul.
Mais pragmatismo e menos política.
Aumento de investimentos em tecnologias limpas e que possam diversificar e aprimorar a matriz energética renovável brasileira. Especial foco na Energia Solar para uso residencial (casas populares autossuficientes).
Baixar o coeficiente de GINI (medidor de desigualdade econômica) em 5,5% até 2018. Priorizar o assentamento de 85 mil famílias que estão à espera da reforma agrária, em terras atualmente improdutivas. Ampliar o Bolsa Família, tornando-o uma política de estado, com maior integração a outros serviços públicos. Uso de parcerias com a iniciativa privada para estruturar e executar programas sociais integrados,
Implementar ensino em tempo integral nas escolas públicas em toda a educação básica. Destinar 10% do PIB à educação, universalizar a educação básica à partir dos 4-5 anos de idade. Internet banda larga em 100% das escolas até 2018 e ampliação do acesso ao Ensino Superior público.
Implementar até 2018, a proposta de inciativa popular de vincular 10% da receita corrente bruta da União ao financiamento de ações de saúde pública. Parcerias público-privadas para ampliar a cobertura de aneamento básico. Implementar a coleta seletiva em 100% dos municípios brasileiros e reciclar 10% de todo o lixo domiciliar.
Adotar um Plano Nacional de Redução de Homicídios, com definição de metas. Construção de um pacto federativo na área de segurança pública. Multiplicar por 10 o investimento do governo federal na área, elevando o efetivo da Polícia Federal em 50% e atribuir à instituição a responsabilidade, compartilhada com o exército, do patrulhamento das fronteiras.
Defesa das demarcações das terras indígenas e proteção da cultura dos povos originários. Zerar a perda de cobertura florestal do país. Ampliar em 40% a área de florestas plantadas. Criar órgãos de gestão de mudanças climáticas. Incentivar e promover agricultura de baixo carbono e recompensar financeiramente serviços de preservação ambiental. Defesa dos biocombustíveis.
Time de Ministros
Marina citou inúmeras vezes que pretende montar um time com pessoas capacitadas e de sua confiança, independente de seus partidos e que não pretende negociar cargos ministeriais em troca de apoio político. Uma lista de um dirigente do PSB com nomes que estariam sendo cogitados, dá conta de um time diversificado e com muitos nomes conhecidos:
Walter Feldman (Rede-SP) - Casa Civil
Beto Albuquerque (PSB-RS) - Transportes
Cristovam Buarque (PDT-DF) - Educação
José Serra (PSDB-SP) - Saúde
Eduardo Suplicy (PT-SP) - Direitos Humanos
Sérgio Xavier (PV-PE) - Meio Ambiente
João Paulo Capobianco (Rede) - Cidades
Eduardo Giannetti - Fazenda
Miro Teixeira (Pros-RJ) - Comunicação
Neca Setubal (Rede) - Cultura
Luiza Erundina (PSB-SP) - Desenvolvimento Social
Roberto Freire (PPS) - Justiça
Pedro Simon (PMDB-RS) - Relações Exteriores
A iniciativa de Marina, de nomear ministros de diversos partidos, de sua confiança e de notória competência deve ser louvada. No entanto, a prática de trocar pastas e cargos por apoios políticos se tornou tão arraigada que a presidente terá extrema dificuldade de nomear quem bem entender para todas as pastas.
Por que não Marina?
Pessoas que se opõe à eleição da ex-senadora, citam uma série de motivos:
Exemplos Históricos de políticos que surgiram a partir de uma ascensão meteórica, como uma opção carismática de renovação política, com discurso impactante e pequena base de sustentação política e tiveram mandatos instáveis e abreviados como Jânio Quadros e Fernando Collor. O governador do Ceará e aliado de Dilma, Cid Gomes, chegou a dizer que Marina não dura 2 anos no cargo e que ela será deposta no Congresso, por não possuir uma coalização ampla e não ser aberta a concessões políticas.
Vinda de um partido médio/pequeno e migrando para um ainda menor (Rede), Marina precisará de apoios de ao menos 2 dos 3 maiores partidos brasileiros para assegurar sua governabilidade. O mais provável será que ela seja obrigada a negociar com o já poderosíssimo PMDB e com PSDB ou PT para obter os votos que necessita para aprovar as reformas que pretende realizar. Acredita-se que o PMDB poderia ter um poder ainda maior do que já possui com Dilma em um eventual governo marinista.
Pessoas críticas ao governo atual afirmam que Marina possui uma identificação histórica e inegável com o PT, partido em que foi filiada por mais de 20 anos e pelo qual exerceu todos seus cargos públicos. Marina foi companheira de condenados no Mensalão como José Genoíno e é questionável o quanto um governo seu teria um distanciamento ideológico do atual.
Grupos de esquerda acusam Marina de ter um plano de governo excessivamente liberal e defensor dos interesses de bancos e grandes corporações. Esses grupos também acusam o eleitorado conservador e a grande mídia de terem aderido à candidatura de Marina como uma forma de derrotar o PT a qualquer custo e que o apoio desses grupos imporá um alto custo político a Marina.
Marina, evangélica, também é tachada frequentemente de conservadora em questões sociais, e é contra o aborto e pesquisas com células embrionárias, por exemplo.
Marina prega uma Nova Política e uma democracia participativa, mas durante seus 25 anos de carreira política sempre esteve ligada (e assim permanece) à grupos políticos tradicionais e também dependerá deles para governar. Além disso, a ex-ministra se mostrou extremamente pragmática quando, ao melhor estilo "velha política", fez 2 trocas de partido em 5 anos para viabilizar suas candidaturas e hoje se utiliza de um partido hospedeiro, e com o qual não se identifica, para se eleger.
Considerações Finais
A ascensão de Marina e de suas propostas de fazer uma gestão diferente, inovadora e sustentável recolocaram um pouco de ânimo e esperança em milhões de brasileiros frustrados com a política atual. Uma boa gestão de Marina pode de fato iniciar um novo capítulo na democracia brasileira e provocar um rearranjo e uma renovação nas forças políticas, que tem tudo para ser saudável.
Seus esforços para não negociar posições que considera essenciais, rejeitar alianças que considera retrógradas e de montar um time heterogêneo, competente e experiente para governar são louváveis.
As preocupações com as posições conservadoras e crenças pessoais de Marina, com a eventual influência de grupos religiosos em seu governo e, principalmente, com sua governabilidade são absolutamente legítimas.
A inexperiência de Marina em cargos de gestão também é um ponto de atenção, mas que pode ser mitigado por meio da escolha de excelentes assessores e ministros, o que a candidata parece reconhecer. Sua liderança, assim, passaria a ser mais representativa e simbólica, deixando para cada ministro a função de conduzir estrategicamente sua pasta.
E você, o que acha? Marina poderá governar melhor o país do PSDB e o PT o fizeram nos últimos 20 anos? Qual deve ser o seu legado se eleita?
Fontes
Datafolha:
Abril/2014:
http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/04/1436976-dilma-perde-pontos-mas-ainda-tem-vantagem-na-disputa-presidencial.shtml
Agosto/2014:
http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/09/1509005-empatada-no-1-turno-com-dilma-marina-abre-vantagem-no-2-turno.shtml
TSE
Eleições 2010:
http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/apuracao-1-turno/index.html
Site PSB
Programa de Governo:
http://marinasilva.org.br/programa/
Folha
Cid Gomes:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/09/1509575-marina-e-reacionaria-e-sera-deposta-em-dois-anos-diz-cid-gomes.shtml
Ministros:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2014/09/1509736-serra-e-suplicy-podem-ser-ministros-de-marina-apostam-aliados-da-candidata.shtml